Terrail, Ponson du
Variedades
SENHORITA DUMESNIL, JOVEM ATRAENTE

Vários jornais falaram de uma jovem dotada da singular faculdade de atrair a si os móveis e outros objetos colocados num certo raio e erguer, pelo simples contato, uma cadeira sobre a qual estivesse sentada uma pessoa. O Petit Journal de 4 de novembro, trazia a respeito o seguinte artigo:

“A pega branca de Dinan não é mais surpreendente como fenômeno do que a senhorita magnética indicada na correspondência seguinte:

“Senhor,

“Venho assinalar-vos um fato que poderia apresentar muito interesse aos vossos leitores. Se quiserdes vos dar ao trabalho de o verificar, nele encontrareis ampla matéria para numerosos artigos.

“Uma jovem, a senhorita Dumesnil, de treze anos, possui um fluido de uma força atrativa extraordinária, que faz virem a ela todos os objetos de madeira que a cercam. Assim, as cadeiras, as mesas e tudo quanto é de madeira se dirige instantaneamente para ela. Esta faculdade se revelou nesta jovem há cerca de três semanas. Até agora este fenômeno extraordinário, que ainda não puderam explicar, só se manifestou às pessoas do meio social da moça, vizinhos, etc., que constataram o fato há alguns dias. A faculdade surpreendente da senhorita espalhou-se e, conforme me garantem, ela está em vias de tratar com um empresário, que se propõe exibir publicamente o fenômeno.

“Desde ontem ela foi à casa de uma grande personagem a quem a indicaram; a publicidade não tardará em apoderar-se deste acontecimento, e eu me apresso em vos prevenir, para que tenhais as primícias.

“Esta moça exerce o ofício de polidora de metais e mora com os pais, que são gente pobre.

“Na expectativa de que nos explicareis este mistério inexplicável, peço que recebais minhas saudações muito sinceras.”

Brunet,

Empregado, Casa Christoffe, 56, rue de Bondy

“Não sei mais do que vós, meu caro correspondente, em matéria de ciência magnética, e olho como simples curiosidade vossa encantadora do carvalho, da faia e do acaju, a quem aconselho, neste inverno, não queimar na lareira... senão carvão...”

Eis, certamente, um fenômeno estranho, muito digno de atenção, e que deve ter uma causa. Se for constatado que não se trata de nenhum subterfúgio, o que é fácil garantir, e se as leis conhecidas são impotentes para o explicar, é evidente que revela a existência de uma nova força. Ora, a descoberta de um princípio novo pode ser fecunda em resultados. O que é pelo menos tão surpreendente quanto este fenômeno, é ver homens de inteligência ter por semelhantes fatos apenas uma altiva indiferença e zombarias de mau gosto. Entretanto, nem se tratava de Espíritos, nem de Espiritismo. Que convicção esperam pessoas que não têm nenhuma, que não a buscam e não a desejam? Que estudo sério é possível esperar disto? Esforçar-se por convencê-los não é perder tempo, usar inutilmente forças que poderiam ser mais bem empregadas com os homens de boa vontade, que não faltam? Temos dito sempre: Com pessoas preconceituosas, que não querem ver nem ouvir, o que há de melhor a fazer é deixá-las tranqüilas e provar-lhes que não se precisa delas. Se alguma coisa deve triunfar de sua incredulidade, os Espíritos saberão bem encontrá-lo e empregá-lo quando chegar o momento.

Para voltar à jovem, seus pais, que estão numa posição precária, vendo a sensação que ela produzia e o concurso de pessoas notáveis que ela atraía, sem dúvida pensaram que para eles havia uma fonte de fortuna. Não se deve querê-los mal, porquanto, ignorando até o nome do Espiritismo e dos médiuns, não podiam compreender as conseqüências de uma exploração deste gênero. Para eles sua filha era um fenômeno; resolveram, pois, instalá-la nos boulevards, entre os outros fenômenos. Fizeram melhor: instalaram-na no Grand-Hôtel, lugar mais conveniente para a aristocracia produtiva. Mas, ah! os sonhos dourados logo se desvaneceram. Os fenômenos não se reproduziram mais senão em raros intervalos, e de maneira tão irregular que foi preciso abandonar quase que imediatamente a esplêndida habitação e voltar ao atelier. Exibir uma faculdade tão caprichosa que falha justamente no momento em que os espectadores, que pagaram suas entradas, estão reunidos e esperam que lha mostrem por seu dinheiro! Como fenômeno, mais vale para a especulação ter uma criança com duas cabeças, porque, ao menos, lá ela está. Que fazer se não se têm cordões para substituir os atores invisíveis? O partido mais honroso é retirar-se. Entretanto, conforme a carta publicada num jornal, parece que a jovem não perdeu inteiramente o seu poder, mas é sujeita a tais intermitências que se torna difícil captar o momento favorável.

Um de nossos amigos, espírita esclarecido e profundo observador, pôde testemunhar o fenômeno e ficou mediocremente satisfeito com o resultado. “Creio – disse-nos ele – na sinceridade dessas pessoas, mas, para os incrédulos, o efeito não se produz, neste momento, em condições que desafie qualquer suspeita. Não nego, pois sei que a coisa é possível; apenas constato minhas impressões. Como apanhei supostos médiuns de efeitos físicos em flagrante delito de fraude, dei-me conta das manobras pelas quais certos efeitos podem ser simulados, iludindo as pessoas que não conhecem as condições dos efeitos reais, de sorte que só afirmo com conhecimento de causa, não confiando em meus olhos. No próprio interesse do Espiritismo, meu primeiro cuidado é examinar se a fraude é possível, com auxílio da sagacidade, ou se o efeito pode ser devido a uma causa material vulgar. Aliás, acrescentou ele, lá é proibido ser espírita, agir pelos Espíritos e até neles acreditar.

É de notar que desde o infortúnio dos irmãos Davenport, todos os exibidores de fenômenos extraordinários repelem qualquer participação dos Espíritos em seu negócio, e fazem bem; o Espiritismo só tem a ganhar em não ser metido nessas exibições. É um serviço a mais prestado por esses senhores, porque não é por tais meios que o Espiritismo recrutará prosélitos.

Uma outra observação é que, cada vez que se trata de alguma manifestação espontânea, ou de um fenômeno qualquer atribuído a uma causa oculta, geralmente são tomados para peritos, pessoas, por vezes sábios, que não sabem patavina do que devem observar e que vêm com uma idéia preconcebida de negação. Quem se encarrega de decidir se há ou não intervenção dosEspíritos ou uma causa espiritual? Precisamente os que negam a espiritualidade, que não crêem nos Espíritos e não querem que existam. Tem-se certeza prévia de sua resposta. Evitam tomar a opinião de quem quer que seja suspeito de Espiritismo, primeiro porque seria acreditar na coisa e, depois, porque temem uma solução contrária à que querem. Não refletem que só um espírita esclarecido é apto a julgar circunstâncias nas quais os fenômenos espíritas podem produzir-se, como só um químico é apto para conhecer a composição de um corpo e que, a este respeito, os espíritas são mais cépticos do que muita gente; que, longe de darem crédito a um fenômeno apócrifo, eles têm todo o interesse em o assinalar como tal e em desmascarar a fraude.

Todavia, disto ressalta uma instrução: a própria irregularidade dos fatos é uma prova de sinceridade; se resultassem de qualquer meio artificial, produzir-se-iam no momento desejado. É a reflexão que faz um jornalista que fora convidado a ir ao Grand-Hôtel. Havia naquele dia alguns outros convidados notáveis e, a despeito de duas horas de espera, a moça não obteve o menor efeito. “A pobre menina – disse o jornalista – estava desolada, e seu rosto traía inquietude. Tranqüilizai-vos, lhe falou ele; não só este insucesso não me desencoraja, mas me leva a crer que vosso relato é sincero. Se houvesse algum charlatanismo ou truque de vossa parte, vosso golpe não teria falhado. Eu voltarei amanhã.” Com efeito, voltou cinco vezes, sem mais resultados. Na sexta vez elatinha deixado o hotel. “De onde concluo – acrescentou o jornalista – que a pobre senhorita Dumesnil, depois de haver construído belos castelos à custa de suas virtudes eletromagnéticas, foi obrigada a retomar  seu lugar nos ateliês de polimento do Sr. Ruolz.”

Tendo sido constatados os fatos, é certo que havia nela uma disposição orgânica especial, que se prestava a esse gênero de fenômeno; mas, pondo de lado qualquer subterfúgio, é certo que se sua faculdade dependesse apenas de seu organismo, ela a teria tido, como os peixes-elétricos, sempre à sua disposição. Considerandose que sua vontade, seu mais ardente desejo eram impotentes para produzir o fenômeno, é porque havia, no fato, uma causa que lhe era estranha. Qual é esta causa? Evidentemente a que rege todos os fenômenos mediúnicos: o concurso dos Espíritos, sem o qual os médiuns mais bem dotados nada obtêm. A senhorita Dumesnil é um exemplo de que eles não estão às ordens de ninguém. Por mais efêmera que tenha sido sua faculdade, ela fez mais para convicção de certas pessoas do que se se tivesse produzido em dias e horas fixas, ao seu comando diante do público, como nas manobras de prestidigitação.

É verdade que nada atesta de maneira ostensiva a intervenção dos Espíritos nesta circunstância, porque não há efeitos inteligentes, a não ser a impotência da moça em agir à sua vontade. A faculdade, como em todos os efeitos mediúnicos, é inerente a ela; o exercício da faculdade pode depender de uma vontade estranha. Mas, mesmo admitindo que os Espíritos nada tenham a ver com isto, não deixa de ser um fenômeno destinado a chamar a atenção para as forças fluídicas que regem o nosso organismo, e que tanta gente se obstina em negar.

Se essa força aqui fosse puramente elétrica, denotaria, não obstante, uma importante modificação na eletricidade, já que age sobre a madeira, com exclusão dos metais. Só isto valeria bem a pena de ser estudado.

REVISTA DA IMPRENSA RELATIVA AO ESPIRITISMO

Por mais que digam e façam, as idéias espíritas estão no ar. Transparecem de mil maneiras, sob a forma de romances ou de pensamentos filosóficos, e a imprensa as acolhe contanto que a palavra Espiritismo não seja pronunciada. Impossível citar todos os pensamentos que ela registra diariamente, assim fazendo Espiritismo sem saber. Que importa o nome, se a coisa está aí? Um dia esses senhores ficarão muito admirados de ter feito Espiritismo, como o Sr. Jourdain ficou por ter falado em prosa. Muita gente caminhava ao lado do Espiritismo sem o suspeitar; estão na fronteira, quando se julgam bem longe. Com exceção dos materialistas puros, que certamente são minoria, pode-se dizer que as idéias da filosofia espírita correm o mundo. O que muitos ainda repelem são as manifestações mediúnicas, uns por sistema, outros porque, tendo observado mal, sofreram decepções; mas como as manifestações são fatos, mais cedo ou mais tarde terão de os aceitar. Recusam-se a ser espíritas unicamente pela falsa idéia que ligam a esse nome. Que os que aí não chegam pela porta principal, a ela cheguem pela secundária, o resultado é o mesmo; hoje o impulso está dado e o movimento não poderia ser detido.

Por outro lado, como é anunciado, produz-se uma imensidão de fenômenos, que parecem afastar-se das leis conhecidas e confundem a Ciência, na qual em vão buscam a sua explicação; passá-los em silêncio, quando têm certa notoriedade, seria difícil. Ora, esses fenômenos, que se apresentam sob os mais variados aspectos, graças à sua multiplicação acabam despertando a atenção e, pouco a pouco, familiarizam com a idéia de uma força espiritual, fora das forças materiais. É sempre um meio de chegar ao fim; os Espíritos batem de todos os lados e de mil maneiras diferentes, de sorte que os golpes sempre alcançam uns ou outros.

Entre os pensamentos espíritas encontrados em diversos jornais, citaremos os seguintes:

No discurso pronunciado em 11 de novembro último pelo Sr. d’Eichthal, um dos redatores do Temps, junto ao túmulo do Sr. Charles Duveyrier, assim se exprime o orador:

“Duveyrier morreu em profunda calma, cheio de confiança em Deus, de fé na eternidade da vida, orgulhoso de seus longos anos consagrados à elaboração e ao desenvolvimento de uma crença que deve resgatar todos os homens da miséria, da desordem e da ignorância, certo de haver pago a sua dívida, de ter dado à geração que o segue mais do que tinha recebido da que o precedeu. Parou como um valente operário, acabada a tarefa, deixando a outros o encargo de a continuar.

“Se seus restos mortais não atravessaram os templos consagrados para chegar ao campo de repouso, não foi por um injusto desdém contra as crenças imortais, mas é que nenhuma das fórmulas que tivessem pronunciado sobre seus despojos teriam dado a idéia que ele fazia da vida futura. Duveyrier não desejava, não acreditava ir para o céu, gozar eternamente de uma beatitude pessoal, enquanto a maioria dos homens ficaria condenada a sofrimentos sem esperança. Cheio de Deus e vivendo em Deus, mas ligado à Humanidade, é no seio da Humanidade que ele esperava reviver para concorrer eternamente a essa obra de progresso que a aproxima incessantemente do ideal divino.” (Jornal Temps, 14 de novembro de 1866).

O Sr. Duveyrier tinha feito parte da seita são-simonista. É a crença referida acima, a cujo desenvolvimento ele tinha consagrado vários anos de sua vida; mas suas idéias sobre o futuro da alma, como se vê, se aproximavam muito das que ensina a Doutrina Espírita. Contudo, não se deve inferir destas palavras: “É no seio da Humanidade que ele esperava reviver” que acreditasse na reencarnação. Sobre este ponto ele não tinha qualquer idéia definitiva; entendia por isto que a alma, em vez de se perder no infinito, ou de ser absorvida numa beatitude inútil, ficava na esfera da Humanidade, a cujo progresso concorria por sua influência. Mas esta idéia é exatamente a que também ensina o Espiritismo; é a do mundo invisível que nos cerca; as almas vivem em meio a nós, como vivemos em meio a elas. O Sr. Duveyrier era, pois, ao contrário da maioria de seus confrades da imprensa, não só profundamente espiritualista, mas setenta e cinco por cento espírita. Que lhe faltava para o ser completamente? Provavelmente ter sabido o que é o Espiritismo, porquanto lhe possuía as bases fundamentais: a crença em Deus, na individualidade da alma, sua sobrevivência e sua imortalidade; em sua presença no meio dos homens após a morte, e sua ação sobre eles. Que diz a mais o Espiritismo? Que essas mesmas almas revelam sua presença por  uma ação direta, e que estamos incessantemente em comunhão com elas. Vem provar pelos fatos o que no Sr. Duveyrier e em muitos outros não estava senão no estado de tória e de hipótese.

Concebe-se que os que só acreditam na matéria tangível repilam tudo, mas o que mais surpreende é ver espiritualistas rejeitando a prova do que constitui o fundo de sua crença. Aquele que assim expunha os pensamentos do Sr. Duveyrier sobre o futuro da alma, o Sr. d’Eichthal, seu amigo e correligionário em são-simonismo, que, provavelmente, partilhava até certo ponto de suas opiniões, não é menos um adversário declarado do Espiritismo; por pouco ele não suspeitava que o que dizia em louvor ao Sr. Duveyrier era muito simplesmente uma profissão de fé espírita.

As palavras seguintes, do Sr. Louis Jourdan, do Siècle, a seu filho, foram reproduzidas pelo Petit Journal de 3 de setembro de 1866.

“Eu te sinto vivo, de uma vida superior à minha, meu Prosper; e quando soar a minha última hora, eu me consolarei em deixar os que amamos juntos, pensando que vou te encontrar e nos unirmos. Sei que esta consolação não me virá sem esforços; sei que será preciso conquistá-la trabalhando corajosamente por meu próprio melhoramento, como no dos outros; farei pelo menos tudo quanto estiver em meu poder para merecer a recompensa que ambiciono: reencontrar-te. Tua lembrança é o farol que nos guia e o ponto de apoio que nos sustenta através das trevas que nos envolvem. Percebemos um ponto luminoso, para o qual marchamos resolutamente; esse ponto é aquele onde vives, meu  filho, junto a todos aqueles que amei na Terra e que partiram antes de mim para a sua vida nova.”

Que de mais profundamente espírita do que estas doces e tocantes palavras! O Sr. Louis Jourdan está ainda mais perto do Espiritismo que o Sr. Duveyrier, porque há muito tempo crê na pluralidade das existências terrestres, como se pôde ver pela citação que fizemos na Revista de dezembro de 1862. Ele aceita a filosofia espírita, mas não o fato das manifestações, que não repele absolutamente, mas sobre o qual não está suficientemente esclarecido. É, contudo, um fenômeno bastante grave, quanto às suas conseqüências, pois só ele pode explicar tantas coisas incompreensíveis, que se passam aos nossos olhos, para merecer ser aprofundado por um observador como ele. Porque se as relações entre o mundo visível e o mundo invisível existem, é toda uma revolução nas idéias, nas crenças, na filosofia; é a luz atirada sobre uma porção de questões obscuras; é o aniquilamento do materialismo; é, enfim, a sanção de suas mais caras esperanças em relação ao seu filho. Que elementos os homens que se fazem campeões das idéias progressistas e emancipadoras colheriam na Doutrina se soubessem tudo quanto ela encerra para o futuro! Não é duvidoso que surjam alguns, que compreenderão o poder desta alavanca e saberão tirar-lhe proveito.

O Événement de 4 de novembro último relatava a seguinte anedota, concernente ao célebre compositor Glück. Quando da primeira representação da Ifigênia, a 19 de abril de 1774, a que assistiam Luís XVI e a rainha Maria Antonieta, esta quis coroar pessoalmente seu antigo professor de música. Depois da representação, chamado ao camarote do rei, Glück ficou de tal modo comovido que não pôde proferir uma palavra e apenas teve forças para agradecer à rainha com o olhar. Percebendo que Maria Antonieta usava naquela noite um colar de rubi, Glück se reergueu: Grande Deus! exclamou ele, salvai a rainha! salvai a rainha! sangue! sangue! – Onde? bradaram de todos os lados. – Sangue! sangue! no pescoço! gritou o músico. – Maria Antonieta estava trêmula. Depressa, um médico, disse ela, meu pobre Glück está louco. – O músico tinha caído numa poltrona. Sangue! sangue! murmurou ele... Salvai a arquiduquesa Maria... salvai a rainha! – O infeliz maestro toma o vosso colar por sangue, disse o rei a Maria Antonieta; ele tem febre. – A rainha levou a mão ao pescoço, arrancou o colar e, tomada de pavor, atirou-o longe. Levaram Glück desacordado.

O autor do artigo termina assim:

Eis, caro leitor, a história que me contou na ópera o músico alemão, e que reli no dia seguinte, numa biografia do imortal autor de Alceste. É verdadeira? É fantasia? Ignoro-o. Mas não seria possível que homens de gênio, cujo espírito elevado paira acima da Humanidade, tivessem, em certas horas de inspiração, essa faculdade misteriosa que se chama segunda vista? (Albert Wolff).

O Sr. Albert Wolff disparou mais de uma seta no Espiritismo e nos espíritas, e eis que ele mesmo admite a possibilidade da segunda vista e, ainda mais, a previsão pela segunda vista. Provavelmente não se dá conta a que conseqüências conduz o reconhecimento de tal faculdade. Mais um que caminha ao lado do Espiritismo sem o suspeitar, talvez sem ousar confessálo, e que nem por isso deixa de atirar-lhe a pedra. Se lhe dissessem que é espírita, pularia de indignação, exclamando: Eu! crer nos irmãos Davenport! Porque para a maioria desses senhores o Espiritismo está inteirinho no golpe das cordas. Lembramos que um deles, a quem um correspondente censurava falar do Espiritismo sem o conhecer, respondeu em seu jornal: “Enganai-vos; estudei o Espiritismo na escola dos irmãos Davenport, e a prova é que isto me custou 15 francos.” Cremos ter citado o fato em alguma parte da Revista. Que se lhes pode pedir a mais? Não sabem mais que isto.

O Siècle de 27 de agosto de 1866 citava as seguintes palavras da Sra. George Sand, a propósito da morte do Sr. Ferdinand Pajot:

“A morte do Sr. Ferdinand Pajot é um fato dos mais dolorosos e lamentáveis. Este jovem, dotado de notável beleza e pertencente a excelente família, era, além disso, um homem de coração e de idéias generosas. Nós mesma o pudemos apreciar cada vez que invocamos a sua caridade para os pobres de nosso círculo. Dava largamente, com mais generosidade, talvez, do que o autorizavam os seus recursos, e dava com espontaneidade, com confiança, com alegria. Era sincero, independente, bom como um anjo. Casado há pouco com uma jovem encantadora, será lamentado como o merece. Devo lhe dar, depois desta cruel morte, uma terna e maternal bênção: ilusão, se se quiser, mas creio que entramos melhor na vida que se segue a esta, quando a ela chegamos escoltados pela estima e a afeição dos que acabamos de deixar.”

A Sra. Sand é ainda mais explícita em seu livro Mademoiselle de la Quintinie. À página 318, lê-se: “Senhor abade, quando quiserdes que demos um passo para a vossa igreja, começai por nos fazer ver um concílio reunido e decretando mentira e blasfêmia o inferno das penas eternas, e tereis o direito de nos exclamar: Vinde a nós, vós todos que quereis conhecer a Deus.”

Página 320: “Pedir a Deus que aniquile nossos sentidos, endureça o nosso coração, torne odiosos os nossos laços mais sagrados, é pedir-lhe que negue e destrua sua obra, que volte sobre os seus passos e nos faça voltar nós mesmos, fazendo-nos retrogradar para as existências inferiores, abaixo do animal, abaixo da planta, talvez abaixo do mineral.”

Página 323: “Entretanto, seja qual for a vossa sorte entre nós, vereis claro um dia além da tumba e, como não creio mais nos castigos sem fim quanto nas provas sem fruto, anunciovos que nos encontraremos em alguma parte, onde nos entenderemos melhor e onde nos amaremos, em vez de nos combatermos; mas, também como vós, não creio na impunidade do mal e na eficácia do erro. Creio, pois, que expiareis o endurecimento do vosso coração por intensos sofrimentos da alma em outra existência qualquer.”

Ao lado desses pensamentos eminentemente espíritas, aos quais só falta o nome que se obstinam em lhes recusar, por vezes se encontram outros, um pouco menos sérios, que lembram o belo tempo das zombarias mais ou menos espirituosas, sob as quais pensavam poder sufocar o Espiritismo. Pode-se julgá-lo pelas amostras seguintes, que são como os foguetes perdidos do fogo de artifício.

O Sr. Ponson du Terrail, em seu Dernier mot de Rocambole, publicado em folhetim no Figaro, assim se exprime:

“Entretanto, os ingleses se mostrariam superiores aos americanos em matéria de superstição. As mesas girantes, antes de fazer entre nós a felicidade de cem mil imbecis, passaram várias estações em Londres e aí receberam uma das hospitalidades mais corteses. Pouco a pouco o relato do coveiro tinha dado a volta em Hampstead, cidade célebre por seus burros e seus burriqueiros, e a gente importante da região não tinha hesitado um só instante em decidir que a casa de campo, à noite, era assombrada por Espíritos.”

O Sr. Ponson du Terrail, que outorga tão generosamente um diploma de imbecilidade a cem mil indivíduos, crê, naturalmente, ter mais espírito do que eles, mas não crê albergar um Espírito, sem o que é provável que não os enviasse ao país dos burros.

Mas, perguntará ele, que relação pode haver entre as mesas girantes e os sublimes pensamentos que citastes há pouco? Há, respondemos nós, a mesma relação que existe entre o vosso corpo, quando valsa, e o vosso espírito, que o faz valsar; entre a rã, que dançava no prato de Galvani, e o telégrafo transatlântico; entre a maçã que cai e a lei da gravitação, que rege o mundo. Se Galvani e Newton não tivessem meditado sobre esses fenômenos tão simples e tão vulgares, hoje não teríamos tudo o que a indústria, as artes e as ciências deles tiraram. Se cem mil imbecis não tivessem buscado a causa que faz girar as mesas, ainda hoje ignoraríamos a existência e a natureza do mundo invisível, que nos rodeia; não saberíamos de onde viemos antes de nascer e para onde vamos ao morrer. Entre esses cem mil imbecis, muitos talvez ainda acreditassem em demônios chifrudos, nas chamas eternas, na magia, nos feiticeiros e nos sortilégios. As mesas girantes são, para os pensamentos sublimes sobre o futuro da alma, o que o germe é para a árvore que dele saiu: são os rudimentos da ciência do homem.

Lia-se no Écho d’Oran de 24 de abril de 1866:

“Acaba de se passar em El-Afroun um fato que afetou penosamente a nossa população. O Sr. Pagès, um dos mais antigos habitantes de nossa cidade acaba de morrer. Sabeis que estava imbuído das idéias – eu ia dizer das loucuras – do Sr. Allan Kardec e que fazia profissão do Espiritismo. Fora dessa extravagância, era um homem honesto, estimado por todos os que o conheciam. Por isso, ficaram muito admirados quando souberam que o sr. cura se havia recusado a enterrá-lo, sob pretexto de que o Espiritismo é contrário ao Cristianismo. Não está no Evangelho: Retribuí o mal com o bem? Ora, se esse pobre Sr. Pagès é culpado por ter crido no Espiritismo, não era uma razão a mais para orar por ele?”

O Sr. Pagès, que conhecíamos por correspondência há longa data, escrevia-nos isto:

“O Espiritismo fez de mim um outro homem. Antes de o conhecer, eu era como muitos outros; não acreditava em nada e, contudo, sofria ao pensamento de que, morrendo, tudo está acabado para nós. Por vezes experimentava profundo desânimo, e me perguntava para que serve fazer o bem. Para mim o Espiritismo teve o efeito de uma cortina que se levanta para nos mostrar uma decoração magnífica. Hoje vejo claro; o futuro não é mais duvidoso e estou muito feliz. Dizer-vos da felicidade que experimento é impossível; parece que estou como um condenado à morte, a quem vêm dizer que não morrerá e que vai deixar sua prisão para ir a um belo país, viver em liberdade. Caro senhor, que efeitos isto devia produzir? A coragem me voltou com a certeza de viver sempre, porque compreendi que aquilo que adquirimos em bem não é pura perda; compreendi a utilidade de fazer o bem; compreendi a fraternidade e a solidariedade que ligam todos os homens. Sob o império deste pensamento esforcei-me por me melhorar. Sim, posso vos dizer sem vaidade, corrigi-me de muitos defeitos, embora me restem ainda muitos. Agora sinto que morrerei tranqüilo, pois sei que apenas trocarei a veste má, que me incomoda, por uma nova, na qual estarei mais à vontade.”

Eis, pois, um homem que, aos olhos de certas pessoas, era razoável, sensato quando não acreditava em nada, e que é tachado de loucura pelo único fato de ter crido na imortalidade de sua alma pelo Espiritismo. E são essas mesmas pessoas, que nem crêem na alma nem na prece, que lhe atiraram pedras por suas crenças em vida e o perseguem com seus sarcasmos até depois de morto, que invocam o Evangelho contra o ato de intolerância e a recusa de preces de que ele foi objeto, ele que não acreditou no Evangelho e na prece senão pelo Espiritismo!

R.E. , dezembro de 1866, p. 503